Selfies intermináveis
A que ponto pode chegar a vaidade?
Conheci alguém esteticamente bonita, mas não tão bonita quanto seu narcisismo crê.
Horas no salão de beleza, em frente ao espelho em selfies intermináveis, segue nossa protagonista vivendo encastelada, crendo no poder das imagens e das palavras quase sempre mal escritas, mas como todo elogio é bem vindo, sorri essa mulher ignorando as falhas graves da língua portuguesa, afinal elogio é elogio e jamais se dispensa, pensa ela, é claro.
Quando participa de reuniões sociais, sai de casa enfeitada, perfumada, sem deixar nenhum detalhe para trás e, fatalmente, armada de um bom celular capaz de registrar sua presença, mesmo que fria, mesmo que seja presente ausente, tem de registrar.
Chegando ao evento, alguns ela cumprimenta, outros, simplesmente ignora, talvez porque selecione os que possam, eventualmente, curtir suas "belas" imagens de selfies intermináveis, talvez.
Cumprimentos feitos, senta-se rapidamente buscando a melhor posição para navegar em seus castelos de areia, em seu falso mundo virtual, ignorando a tudo e a todos, afinal seu corpo está ali, presente, isso é o que importa, pensa ela sem se dar conta que é alvo de comentários maldosos e irritadiços por conta de sua atitude.
Ela não se importa, mesmo porque não se dá conta do mundo real a sua volta, o que na verdade para ela importa é navegar, surfar, se distrair talvez para esquecer de quem é ela mesma na realidade dura e fria de sua virtual vida inerte.
E passa e repassa páginas, sorri, intenta uma boa pose para mais uma selfie, enquanto isso, a sua volta espreita a vida querendo que ela viva e saia do estado vegetativo no qual se encontra.
Algumas vezes, essa mulher abre o guarda roupas, escolhe um belo vestido de festa, capricha na maquiagem, borrifa até perfume e com cuidado se penteia diante de seu "melhor" amigo, o espelho, só para mais uma de suas intermináveis selfies caçadoras de curtidas e comentários que massageiam o seu mega ego.
Mas é tudo mentira, é ilusão, porque depois da selfie vem o vazio, a frustração, é como um vicio, a sensação de saciedade tem efeito rápido e necessita de mais e mais doses.
Enquanto isso a vida passa, o tempo, tido por ela como maior inimigo, vai deixando suas marcas, tecendo linhas ingratas em seu rosto tão bonito que a levam à mesas frias onde bisturis milagrosos tentam reverter a implacável ação do tempo.
A sua volta a vida segue, mas ela já não vê. Os filhos crescem, os pais envelhecem, adoecem, mas ela não vê.
Tudo o que essa pobre mulher vê é um enorme espelho a lhe seduzir a alma e a tela de seu celular, que a faz se sentir viva, mesmo que morta para a vida e suas reais possibilidades ela esteja.
E quando porventura lhe chegue a doença, ou a limitação, o que será dela?
Afinal selfies só querem mostrar a beleza, a ilusão da felicidade virtual que na realidade não existe, e então? O que fará? Buscará seus amigos? Será que em meio a tantas curtidas e comentários bajulatórios algum amigo, real, restará?
E então? O que fará sem a beleza artificial à qual dedicou sua vida e seu precioso tempo?
Quem estenderá em sua direção a mão amiga a fim de ajudá-la?
Pessoas que negligenciou talvez? É, pode ser uma possibilidade, mesmo porque nem todos sofrem do mesmo mal e ainda há gente boa ao seu redor mesmo que ela os tenha esquecido num canto escuro e sombrio de seu coração.
Vida não pode ser desperdiçada, pessoas não podem ser descartadas como um velho celular ou uma selfie mal tirada, é bom pensar nisso porque o tempo passa e não volta jamais.
Desejo a essa mulher a cura e a firme vontade de viver, pois há muita coisa boa a se fazer além de selfies que, na medida certa, não deixam de ser boas também.
Anna Pon
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