A História do Velho Meji Por Fernando Sepe
A História do Velho Meji
Por Fernando Sepe
“Quando a alma queima de amor e
o ser eleva-se além das estrelas;
Quando o espírito liberta-se da ilusão
e os olhos contemplam a Unidade;
Quando o eu desaparece no
turbilhão do divino;
Finalmente o toque da Luz...”
Era tarde, o céu já estava tingindo com a cor que antecede o anoitecer. O Sol, tímido,
escondia-se na linha do horizonte. A tudo eu contemplava, pensando no milagre da
natureza. Logo chegaria a noite e a luz das estrelas beijaria a face da terra. Romance que
acontece desde o prelúdio dos tempos e que inspira os amantes com sua beleza.
Sim,
aqueles olhos terrenos tão cansados, mas que no meio das tristezas, aprendeu a ver a
verdade do milagre...
De repente uma pontada no peito. Coração de nêgo já não era forte para a matéria,
estava cansado de trabalhar. Mas para o espírito, era ele a grande riqueza.
Lá estavam as
cicatrizes que nos fazem corajosos como o jasmim. Os tesouros do amor e da amizade, as
belezas da vida. Coração, tão maltratado pela humanidade. Coração, altar da
imortalidade...
A vida passa rápido. Naquele instante, como um raio que corta o firmamento. Toda ela,
dançando a frente dos meus olhos. Senti saudade dos sorrisos. Das lágrimas o calor. E assim,
entre o choro e a alegria, o espírito desabrochou...
O corpo tombou, sedento por voltar a terra... O espírito voou, como um pássaro
celeste... Homens e mulheres choraram a ilusão da morte... Mas a natureza, essa cantou a
melodia da vida...
Minha alma tocava o céu em êxtase.
A existência descortinava-se para mim, pois agora o
grilhão do corpo estava rompido. E a morte, o mergulho do corpo em direção a Mãe Terra,
estava longe. Na consciência tudo vive...
E eu vivia!
A chama da vida ardia em meu peito espiritual como nunca. E nesse
contentamento, nessa bem-aventurança incrível, dancei. Dancei e rodei como tantas vezes
fiz. A sagrada dança dos Orixás, gestos que simbolizam as forças da Criação...
E tanto dancei, que me esqueci do velho negro Meji. Esqueci de tudo inclusive.
Simplesmente esqueci...
E nesse esquecimento alguém disse:
“Aquele que busca a Luz, que morra mesmo depois de morrer...”
E foi ali, perdido no vazio, esquecido, que a gota de orvalho finalmente voltou ao oceano.
Ah, o Orun! A terra querida dos Orixás... Tanto busquei Iansã nos raios, mas neles
encontrei apenas o seu olhar...
Oxalá nas nuvens, mas nelas apenas o seu semblante...
Iemanjá em cada gota d’ água, e o que encontrei foi uma pequena pérola de seu colar...
Finalmente, na morte depois da morte, a eles eu realmente me devotei. Girando em volta
do axé plantado no meu coração. Dançando de frente para o verdadeiro congá. Apenas aqui
eu realmente os encontrei.
Aqui eles sempre estiveram. O coração é o maior ilê, o maior dos
congás. Não existe mistério maior que esse. Não pode existir. Mas, mesmo que você saiba
disso, só morrendo para entender...
- “ Meji, quem é você? Um negro escravo? Um velho sacerdote? _ a voz da Existência lhe
perguntou.
- Meji? Sacerdote? Negro? Não. Essa não é a verdadeira natureza do EU...
- Mas então QUEM É VOCÊ?”
E nada mais se sabe a respeito do velho Meji.
A lenda conta que sua boca não respondeu,
mas sua alma inflamou e ele queimou de amor. Morreu novamente. Foi, enfim, viver a
realidade de Oxalá, seu querido Pai. No seio do grande babá, finalmente se encontrou...
Essa história ainda pode ser ouvida quando as estrelas surgem no céu. Dizem que o velho
Meji é uma delas, brilhando serena no firmamento. Iluminando e velando os terreiros.
É hoje
uma das muitas joias que ornam o Orí do velho e querido papai Oxalá...
Êpa Babá!
Pai Antônio de Aruanda 15/02/07
“És uma gota de meu oceano:
cheia de pérolas, a concha da alma.”
Jalal ud-Din Rumi -
A Sombra do Amado
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