Linha e Arquétipo das Guardiãs Pombas Giras


Linha e Arquétipo das Guardiãs Pombas Giras 
por Rodrigo Queiroz 


- Olá moço! Salve! 
- Minhas reverências Senhora! 
- Moço, coube a mim falar um pouco de nós, vamos lá? 
- Vamos sim, pode começar! 
- Como o companheiro Tranca Ruas já adiantou sobre nossos nomes simbólicos e condição do Grau de um espírito redimido na seara da evolução, vou me preocupar em tratar de outras coisas, certo? 
- Senhora, sou apenas a sua mão, está tudo certo, você conduz como queira. 
- Então vamos do começo. O termo Pomba Gira é mal compreendido e também não falarei disso, você faz isso depois, pode ser? 
- Tá certo Senhora, no final eu coloco uma nota. 
- Ótimo! 
- Senhora, já que tentarei escrever sobre o termo do “Orixá Pomba Gira” vamos falar da questão prática, ou seja, do surgimento de vocês mulheres na força de exu, também conhecidas como Exu Mulher. 
- Ah moço, ainda tem essa, né? Exu Mulher já é demais. Seria o mesmo que dizer Rodrigo Mulher ou coisa parecida. Mas entendemos, quando criaram este termo era apenas para tentar explicar algo que desconheciam e demoraria ainda um bom tempo para se ter ferramentas e bons argumentos para melhor explicar nossa “aparição” nos terreiros. 
- Entendido... E como isso se dá? 
- Antes de “aparecermos” nos terreiros de Umbanda já manifestávamos em alguns lugares que nos permitiam como em alguns Catimbós, Macumbas Cariocas etc. Não usavam o termo Pomba-Gira, mas sim Princesa, Madame e coisas do tipo. Estas aparições eram rareadas e ficava a cargo de médiuns mulheres que se abriam a nós, no entanto poucas o faziam. 
- E por que isso? 
- A sociedade em que você vive é patriarcal, logo extremamente machista, hoje um tanto mascarada pela evolução tecnológica e globalizada, mas são essencialmente machistas, tanto é que ainda chamam Deus de Pai, figura masculina e estrutura patriarcal. 
- Isso é verdade! 
- E há um século era muito pior e declarado este rebaixamento ao sexo feminino. Assim, aparecemos em peso nos terreiros na década de 60 nos juntando ao movimento feminista que neste país criou grande repercussão nesta época. 
- Hummm, quer dizer que vocês vieram nos combater? (risos) 
- Viemos combater a desigualdade moço, e continuamos fazendo. 
- A Umbanda se mostra como um ponto de convergência para todos os meios menos favorecidos e oprimidos, não acha? 
- É fato. Seu universalismo e sua meta é essa, por isso tem quem acredite que será a religião principal do futuro. 
 - Continuando, por séculos a mulher era apenas coadjuvante existencial, sem muita importância, porém necessária, e aquelas que tentaram mudar esta realidade foram mortas e ridicularizadas de alguma forma. Mas não ficarei aqui relembrando o passado, certo? 
- Tudo bem. 
- Esta realidade brutal se arrastou por séculos a fio e, como já disse, começou a mudar a realidade nos anos 60 aqui neste país. Quando aparecemos nos terreiros éramos o retrato de tudo aquilo que as mulheres sonhavam em ser, mas já tinham perdido a esperança. Também éramos tudo que os homens gostavam, mas combatiam covardemente. 
- Não entendo. Temos notícias que vocês eram tratadas como ex-prostitutas, ex-marginais e ex alguma coisa muito ruim e amoral. 
- (Gargalhada) Isso é o que tentaram dizer. Intriga dos covardes moço. 
- Então continue. 
- Pois bem, nesta época, veja os retratos das mulheres nesta época. Eram opacas, pálidas, feias e amarguradas. A vaidade era abafada de todas as formas e a sensualidade era algo que muitas vezes nem brotava no âmago da mulher. Um combate cruel contra a natureza. E surgimos nós, mulheres independentes, firmes, alegres, risonhas, esbanjando sensualidade, sem papas na língua “afrontando” a covardia machista imperante. Confesso moço, viemos auxiliar a mulher para se livrar deste cárcere emocional em que vivia. Fomos muito combatidas, até hoje somos, mas a luta já está mais fácil. Neste tempo não tachavam somente a nós como seres amorais e todos adjetivos que possa imaginar, a médium caia na mesma vala. Se pra mulher incorporar uma pomba gira era um escândalo, imagine quando ocorria com um homem. Era raro, mas fazíamos questão de provocar essas situações. No momento em que começamos aparecer nos terreiros e tudo isso foi cautelosamente pensado, nos preparamos e foi uma “invasão” coletiva, simultânea. A médium que aparecia opaca no terreiro ao estar mediunizada por nós ficava linda, pois juntava sua sensualidade escondida com a nossa e aquela mulher virava um furacão. É certo que muitos casamentos acabaram por isso, porém muitos outros também foram salvos. Nosso foco inicial era a mulher. Libertar o ser feminino do medo e da dependência foi e é nosso norte. Fazemos a guarda do movimento feminista. Reconheça que muito se conquistou assim. Tínhamos que provocar, por isso, quando nos perguntavam se éramos “putas” respondíamos com uma sonora gargalhada. Se éramos “bruxas” a mesma resposta. E quando cantavam que “pomba gira é mulher de sete maridos”, a provocação estava feita. Pois era a situação inversa, ou seja, não o homem podendo a poligamia, mas sim a mulher subjugando vários homens sob seu feminilismo e encanto. 
- Interessante... 
- Árduo moço, muito árduo. Desde então nosso trabalho foi crescendo e se manifestando de forma organizada igual ao trabalho dos exus, somos a outra parte de exu que usando este termo abriga os seres masculinos no grau Guardião de evolução, e nós no termo Pomba-Gira somos as mulheres no grau Guardiã de evolução. 
- Quer dizer que o arquétipo de vocês também se baseia na milícia? 
- Não, apenas representamos a mulher independente, capaz e livre. Somos, como disse, aquilo que toda mulher busca ser e tudo aquilo que os homens gostam mas têm medo. 
- É certo que existem algumas Pombas-giras que foram prostitutas e marginais? 
- Sim é certo, como também existem Exus que foram a pior espécie de homens. Porém, isto é um caso a parte. O que fomos pouco importa, pois no geral, como todos os encarnados, somos espíritos humanos que sofreram sua queda e já lúcidos retomamos nosso caminho de evolução, assumindo um grau e campo de atuação sob a regência dos Orixás e guardando a esquerda dos encarnados. 
- Senhora, é verdade que vocês são especializadas em fazer amarrações? 
- Sim, da mesma forma que somos especializadas em transformar homens em gays (gargalhada). Brincadeira a parte moço, esta é mais uma colocação dos mal informados. Nós já estamos livres destes “vícios” emocionais e não praticamos nada fora do livre arbítrio que impera na criação Divina. Portanto, não somos amarradoras de nada e não decidimos sexualidade de ninguém. No entanto, somos especializadas em desfazer estas anomalias magísticas. 
- É isso moço, vamos parar por aqui e fica em síntese registrado que Pomba-Gira são espíritos humanos femininos que estão num grau ao lado de exu e atuam principalmente no coração e na mente daqueles que de certa forma se permitem ficar acrisolados em suas próprias tormentas. Estimulamos o que o indivíduo tem de melhor, para que estes desejem ser melhores. Em nosso encanto e sensualidade mostramos que de tudo o que vale a pena é preservar a felicidade. Fique em paz moço, noutra oportunidade sentamos novamente. 
- Muito obrigado senhora. 

Este é um assunto extenso e poderíamos fazer um livro com centenas de páginas, mas não é possível agora, então mais uma vez muito obrigado! 
- Salve! 
- Saravá Pomba Gira Maria Padilha.


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