Linhas de Trabalho – Umbanda e roupagens energéticas
Linhas de Trabalho – Umbanda e roupagens energéticas
por Fernando Sepe
PERGUNTA 1:
A respeito dos pretos–velhos, a senhora poderia tecer alguns comentários a
respeito da linha e da forma plasmada/roupagem fluídica utilizada pelos espíritos que nela militam?
VÓ BENEDITA:
A linha de pretos–velhos, meus filhos, é uma linha como qualquer outra dentro da
Umbanda. Um grande equívoco é pensar que todo preto–velho foi negro, ou morreu velho em sua
última encarnação, o que muitos sabem não é bem verdade. Existem muitos irmãos que utilizam a
aparência de preto–velho, mas nunca foram escravos nem aqui no Brasil nem em qualquer lugar do
mundo.
Na verdade, essa linha nasce como forma de organização de todo um contingente de espíritos
que iriam atuar dentro do movimento umbandista que surgia. As primeiras linhas fundamentadas
foram a de caboclos e pretos–velhos. Utilizou–se uma figura mítica já presente dentro da cultura
brasileira e criou–se toda uma linha de trabalho, onde todos os seus representantes teriam trejeitos e
características similares. Surgia a linha de preto–velho, uma linha transmissora da calma, da
sapiência, da humildade, detentora do conhecimento sobre os Orixás e que, acima de tudo, falaria ao
simples de coração até ao mais erudito doutor, sempre com palavras de amor e espalhando luzes
dentro da espiritualidade terrena. Era uma forma de identificar e aproximar a população ao culto
nascente.
Era uma forma de homenagem. Era também uma forma de hierarquizar e organizar. Além disso,
temos a questão arquetípica e mítica por detrás de cada uma das linhas.
Os pretos velhos estão fundamentados no arquétipo do sábio, ou “ancião”, aquele que com as
experiências vividas alcançou a sabedoria. Em cima desse arquétipo, criaram-se muitos mitos dentro
da cultura universal, onde a figura do ancião sempre foi utilizada como símbolo para a sapiência. Um
dos mitos brasileiros para esse arquétipo é a figura do preto velho, que sofreu, tinha poucas
condições, mas tudo isso superou, com fé, amor, determinação, etc. Na verdade, dentro da figura
simbólica do preto velho, vemos um ideal de luta e superação das pessoas.
É preciso atentar para esses reais fundamentos dos chamados povos de Umbanda, ou linhas de
trabalho. Por detrás de cada um deles encontramos um arquétipo universal e um mito fortemente
arraigado à cultura afro-brasileira.
PERGUNTA 2:
“Um arquétipo universal e um mito arraigado à cultura afro-brasileira?” A senhora
poderia exemplificar melhor?
VÓ BENEDITA:
Arquétipos são como estruturas que residem no inconsciente coletivo da
humanidade, moldando de certa forma o pensamento universal. A forma mais simples de se entender
isso é o estudo da mitologia comparada entre povos diversos. Caso façamos esse estudo, veremos que
as lendas ou mitos de diversos povos que nunca tiveram um intercâmbio cultural são extremamente
semelhantes na sua forma, apesar de diferirem de forma gritante no conteúdo. Podemos dizer,
portanto, que arquétipos são como “fôrmas de bolo”. Todo bolo saído de uma fôrma redonda será
redondo, apesar de que com a mistura de ingredientes diferentes, podemos obter bolos de chocolate,
cenoura, banana, ou seja, bolos diferentes. Nessa nossa analogia, entendam os arquétipos como as
“fôrmas”, os mitos como os “bolos” e, seguindo ainda a linha de pensamento, os “ingredientes” como
a cultura vigente de determinado povo.
Dessa forma, um mito como o do dilúvio, por exemplo, está presente nas mais diversas culturas.
Mas em cada uma delas ganha uma apresentação diferente, ou um conteúdo diferente, mesmo que a
forma ou essência seja a mesma para todos os “dilúvios” já relatados.
Esse mesmo raciocínio deve ser utilizado dentro das imagens arquetípicas e míticas utilizadas
pelos guias de Umbanda. Como dito no meu comentário anterior, um preto-velho é um mito brasileiro,
surgido através dos fatos históricos ligados a escravidão e resistência negra dentro desse país. Por
detrás dele temos um arquétipo, o do “ancião” ou “sábio”, que é uma figura universal e irá ganhar
outras formas, dependendo da cultura em que esteja inserido. Assim, o ancião sábio dentro da cultura
oriental será retratado de uma forma, dentro da cultura indígena de outra, dentro da cultura europeia
de outra ainda, mas todos terão uma mesma forma, ou correspondências claras entre eles. Isso é
arquétipo, uma estrutura de pensamento universal, que reside no inconsciente coletivo da
humanidade e atua como modelador de símbolos, lendas, fábulas, histórias, religiões, mitos,
comportamento e tudo mais que esteja relacionado ao pensamento humano.
Dessa forma, as linhas de Umbanda também foram pensadas em cima de arquétipos e mitos, pois
isso facilita a aceitação e o entendimento em relação às entidades espirituais. Por exemplo:
A linha de caboclos foi pensada em cima do arquétipo do “herói”, ou seja, daquele que faz
sempre a luz prevalecer sobre as trevas, um ser justo, puro, bondoso, mas ao mesmo tempo corajoso
o bastante para lutar e defender seus filhos. Esse arquétipo tem sintonia ideal com o mito criado em
cima da figura indígena, um povo forte, justo, guerreiro, etc. Dessa forma surgiu a linha de caboclos,
fundamentada em cima da figura mítica do índio brasileiro e que logo se tornou a linha de frente dos
trabalhos de Umbanda, por motivos obviamente relacionados às qualidades apresentadas pelos
espíritos militantes dessa egrégora, assim como pela empatia que a figura arquetípica do “herói”
desperta nas pessoas. E aqui não estamos comentando a respeito do que já foi falado e é de
conhecimento dentro da Umbanda, pois em Oxóssi a figura do índio ganha nova sustentação, assim
como na figura de Ogum também, por exemplo.
Seguindo a linha de raciocínio, temos em Exu o “anti-herói” típico, ou seja, espíritos tão
valentes e guerreiros como os “heróis/caboclos”, mas que ainda apresentam traços extremamente
humanos dentro de sua personalidade, em contraste com a postura sempre correta, pura e equilibrada
dos caboclos. O mito utilizado como referência dentro da linha de guardiões foi a própria figura
mitológica do Orixá Exu, que apresenta através do mito yorubano comportamento semelhante ao que
aqui está descrito. Por isso também a linha de guardiões foi chamada de Linha de Exu, sendo
totalmente diferente do que chamamos de Exu dentro do culto tradicional africano.
Logo, entendam que os espíritos de caboclos, pretos-velhos e exus (assim como de todos os
outros guias de Lei de Umbanda) ganham essa roupagem apenas dentro do culto umbandista, pois em
outras culturas atuarão e se apresentarão de forma diversa, pois um mito é fruto do ambiente
sociocultural, enquanto um arquétipo é universal e inerente a todos os povos.
Por tanto, os próprios guias de Umbanda são universais, atuando de forma discreta e desprovida
de ego em muitas religiões e tradições espirituais, ocultados por roupagens energéticas que
simbolizam a egrégora, o arquétipo e a vibração que dá sustentação ao trabalho por eles realizado. A
maioria das chamadas linhas de Umbanda são muito mais antigas que a própria Umbanda, tendo em
sua militância espíritos das mais diversas etnias ou culturas. O fator agregador dessas consciências
espirituais é a sintonia com o arquétipo que existe por detrás de cada linha, que também pode ser
identificado como um Orixá, uma vibração, um sentido, um elemento, um Santo, etc. O comentário
aqui tem como ponto central os arquétipos, por entender que com isso comenta-se algo não explicado
de forma aberta dentro da Umbanda, mas principalmente abre-se o conteúdo umbandista para pessoas
não familiarizadas com o universo mítico afro-brasileiro.
Para o Umbandista ou para alguém com algum conhecimento dentro dos cultos afro-brasileiros,
chamar a linha de guardiões de Exu é muito útil, facilitando o entendimento, pois a própria figura de
Exu já representa muita coisa a respeito daquela entidade. Mas para um espírita, por exemplo, é
complicado compreender o uso desse termo. Seria melhor o termo “guarda” ou “guardião”. Agora
imaginem para um oriental... Outra teria que ser a abordagem! Por isso desses comentários em cima
dos arquétipos e mitos formadores das linhas de trabalho.
Essa também é uma abordagem em sintonia com o que acontece no astral, pois nele os espíritos
são agregados através da afinidade mental/emocional, que vai muito além da barreira da língua,
religião, cultura, etc. O que é dentro da Umbanda chamado de linha de pretos-velhos (e surgiu com o
nascimento da mesma), no astral é uma grande egrégora, ou fraternidade espiritual (mais antiga que a
própria Umbanda) que congrega espíritos que têm na maturidade consciencial sua principal
característica. Que no arquétipo do “ancião” encontra seu eixo psicológico e em uma vibração
conhecida como Obaluayê/Yorimá pelos umbandistas, mas que ganha outros nomes nas tradições
religiosas mundiais, e mais outro dentro do plano espiritual, sua sustentação vibracional.
PERGUNTA 3:
Quer dizer que a linha dos pretos-velhos surgiu com a Umbanda, mas no astral ela
já existia como uma antiga egrégora que congregava espíritos com as mais diversas vivências?
PAI ANTÔNIO:
Pedindo licença para minha irmã Benedita, vou comentar a esse respeito. É sim
verdadeiro que o que chamamos de linha de pretos-velhos na Umbanda é muito antiga no astral,
remontando às mais diversas épocas da humanidade. É claro que ela nunca foi conhecida como “linha
dos pretos-velhos” ou continha em si divisões como “José da Guiné”, “João de Angola” ou “Maria
Conga”, etc. E isso é uma coisa que gera ainda hoje muita confusão no meio umbandista, por isso deve
ser muito bem explicada.
Como fraternidade espiritual, essa egrégora vem acolhendo espíritos dos mais diversos,
formando um contingente que conta aos milhões nos dias de hoje. Os próprios mentores maiores dessa
fraternidade espiritual são espíritos elevadíssimos, que cuidam da evolução da humanidade de forma a
abranger todo o planeta. São senhores dos carmas coletivos, unificados em consciência com os
Sagrados Orixás. Muitos deles atuam exclusivamente através do corpo mental, tendo abandonado a
utilização do corpo espiritual/astral há milênios. Isso é um fato.
Agora, a linha dos pretos-velhos, e com essa designação estamos envolvendo: a forma de se
manifestar, as muitas linhas de trabalho, falanges, ritualística própria, etc., etc., apenas surgiu com o
nascimento da Umbanda, em solo brasileiro. Tanto a Umbanda quanto os pretos-velhos foram “pensados” em cima do contexto social, cultural, ético, do Brasil e da atual humanidade. A figura do preto-velho foi aproveitada e ela obviamente só pôde surgir a partir da diáspora negra e a resistência da
escravidão aqui no Brasil. A figura do índio/caboclo só pode surgir com a exploração e dizimação dos
índios de então. Acredito que isso ficou muito claro na abordagem anterior feita por Vó Benedita,
onde ela explicou a questão arquetípica e mítica.
Dessa forma, falamos de coisas distintas: Primeiro de uma egrégora ou fraternidade espiritual
milenar e universal, formada por “anciões”, ou espíritos ligados à maturidade consciencial. Segundo,
sobre uma forma de manifestação dessa fraternidade dentro dos trabalhos espirituais de Umbanda,
que é a linha dos pretos-velhos, surgida e no astral há não mais de 200 anos.
PERGUNTA 4:
E quanto às outras linhas de Umbanda? Mesmo entendendo que a forma como elas
se manifestam tenha surgido junto do movimento umbandista, elas também seriam mais antigas no
astral que a própria Umbanda?
PAI ANTÔNIO:
Sim, com certeza muitos dos agrupamentos espirituais que respondem dentro da
Umbanda por nomes simbólicos e apresentam-se através da roupagem energética de caboclos, pretos-velhos, baianos, boiadeiros, exus, etc., são muito antigos dentro do astral. A linha de guardiões e
guardiãs conhecida como linha de esquerda atua há milênios no astral do planeta. A forma de
entendê-la como linha de Exu é que nasceu dentro do movimento umbandista. Apesar do preconceito
ainda existente, a Umbanda é responsável pela abertura do conhecimento em relação a essas entidades responsáveis pela LUZ nas regiões mais trevosas e densas ligadas ao astral da Terra. Daqui a alguns
anos, muitos grupos espiritualistas estudarão Umbanda como uma forma de melhor conhecer a
atuação dessas entidades protetoras. Quando as barreiras do preconceito caírem por inteiras, então os
irmãos espiritualistas das mais diversas tradições verão o universo riquíssimo que a Umbanda
descortina através de seus nomes simbólicos, ritualística, linhas de trabalho, etc., etc.
PERGUNTA 5:
Muitas vezes a Umbanda é tachada de atrasada ou é vítima de preconceito dentro
do próprio espiritismo ou de outras faces do espiritualismo ocidental. Muitas pessoas tendem a criticar
o excesso de rituais, simbologias, etc., que fazem parte do universo umbandista. Gostaríamos de
algumas palavras suas a respeito disso.
PAI ANTÔNIO:
Muitos filhos não entendem o porquê de a Umbanda ter sido organizada dessa
forma. Mas isso tem muito a ver com a própria natureza dos espíritos que reencarnam aqui no Brasil.
Peguemos o exemplo espírita.
Quando Kardec o codificou, o fez sobre forte influência da cultura europeia: científica e técnica
por natureza, mas também elitista, machista e preconceituosa historicamente falando. Quando esse
espiritismo-científico chegou ao Brasil, ele passou por uma “renovação”, mesmo que os defensores da
“pureza doutrinária” não gostem desses comentários e os neguem.
A verdade é que no Brasil o “espiritismo-científico” transformou-se em “espiritismo-religião”, o
que foi muito importante para sua aceitação dentro do seio do povo brasileiro, “mais coração” e
“menos cabeça” que os europeus.
Mas muito mais poderia ser feito no Brasil, pois nele encontrávamos um “turbilhão cultural”
enorme e propício para o surgimento de novas tradições espiritualistas-mediúnicas. A Umbanda nasceu
assim, fruto do meio social onde está inserida, absorvendo em si diversas tendências religiosas do povo
brasileiro e dos espíritos que encarnavam aqui no Brasil com as faculdades mediúnicas abertas.
Aspectos ligados à magia, ao culto às divindades, os trabalhos na natureza e com os espíritos que nela
vivem, assim como muitos outros pontos relegados pelo espiritismo, foram aceitos e incorporados
dentro da Umbanda.
De certa forma, o espiritismo brasileiro, vamos dizer assim, e a Umbanda, são dois lados de uma
mesma moeda, que têm na mediunidade e no contato direto com o plano espiritual sua forma de
acelerar a evolução espiritual do homem e, na caridade, a ação altruísta que visa despertar o amor ao
próximo.
E podemos dizer ainda que onde acaba o campo de atuação do Espiritismo começa o da
Umbanda, e essa verdade é recíproca também. Dessa forma, consciências que tinham nas capacidades
mediúnicas sua grande alavanca evolucionista encontram em solo brasileiro dois grandes agrupamentos afins com suas necessidades. De um lado o espiritismo, mais científico, evangelizador, tendo
na figura de Jesus e na postura cristã sua sustentação. Do outro, a Umbanda, mais magística e
ritualística, tendo nos Orixás e na postura aprendida com os guias espirituais seus grandes
fundamentos. Uma não é melhor que a outra, mas sim são complementares e respondem por anseios
diferentes, de almas diferentes. São religiões irmãs...
É uma pena que as duas religiões nunca atentaram para essa complementaridade que tanto as
aproxima. Pois, se devemos diferenciá-las, para não descaracterizá-las, o estudo em conjunto poderia
enriquecer ainda mais as duas tradições. Hoje vemos que os umbandistas começam a perceber isso,
valendo-se das excelentes obras espíritas já trazidas para o plano físico. Infelizmente isso ainda não é
verdade dentro do seio kardecista, pois o preconceito impede, na maioria dos casos, que os espíritas
também aprendam com a Umbanda. Mas tudo tem o seu tempo...
Apenas para completar o que aqui digo sobre Umbanda e Espiritismo, observem as tradições
orientais como o taoísmo, o zen, o budismo e a yoga. Todas têm na meditação seu ponto chave, pois
isso vai mais ao encontro da natureza passiva e introspectiva do oriental. São tradições diferentes,
com suas particularidades, mas também lados de uma mesma moeda.
Assim também o é com a Umbanda e o Espiritismo, tendo a mediunidade e caridade como eixo
principal, indo ao encontro da natureza mais expansiva e ativa do ocidental.
PERGUNTA 6:
Então, tanto o Espiritismo como a Umbanda, de certa forma, têm como um de
seus objetivos congregar dentro de seu movimento espíritos que têm na mediunidade uma alavanca
para sua evolução?
PAI ANTÔNIO:
Exato. A mediunidade é o ponto básico das duas doutrinas. Mas mesmo espíritos
possuidores de faculdades semelhantes têm tendências, carmas, afinidades espirituais diversas, além
de capacidades diferentes para determinados trabalhos. Em nenhum outro local do mundo, na atualidade, reencarnam tantos espíritos com suas faculdades mediúnicas abertas como no Brasil. Isso se
deve a essa grande egrégora ligada ao mediunismo existente no astral do país.
No astral não existe essa diferença de paredes e congás, centro e terreiro, que existe na
matéria. Espíritos que militam na Umbanda militam também dentro do espiritismo, de forma completamente natural. O preconceito ainda existente é fruto de uma visão estreita e muito arraigada à
terra. Quanto mais do alto contemplamos alguma coisa, mais evidente fica a noção de totalidade e
unidade que existe no cosmos.
Enquanto o espiritismo tende por uma linha codificada e, portanto, mais organizada, a Umbanda
caminha livre, respeitando as diferenças conscienciais encontradas de terreiro para terreiro, sendo
exemplo de universalidade entre as religiões modernas.
PERGUNTA:
Voltando ao assunto das linhas de trabalho. Entendida a questão dos arquétipos e
mitos, assim como de seus valores simbólicos e psicológicos dentro da Umbanda, gostaríamos de
comentários a respeito das funções energéticas ou espirituais das formas plasmadas ou roupagens
fluídicas adotadas por vós dentro dos trabalhos espirituais.
VÓ BENEDITA:
Muito mais profunda e detalhada é essa questão. Existem pretas–velhas
“Beneditas” (como eu), “Cambindas”, “Marias”, etc. Se todas fomos agrupadas na linha de pretas–
velhas e resolvemos atuar dentro dessa grande egrégora/vibração, nosso nome simbólico representa a
egrégora/falange a qual nos reportamos. E a peculiaridade de nossa forma plasmada também. Todas
adotamos a aparência de negras–velhas, mas cada uma portando algumas características próprias, pois
a forma plasmada ou roupagem fluídica também é um fundamento de grande importância dentro da
Umbanda.
Ela funciona como uma “chave de acesso” à egrégora/falange a qual o espírito pertence
(trabalha). Por exemplo, eu, nessa forma espiritual que agora me apresento, poderia dizer por analogia que estou “vestida de Benedita de Aruanda”, utilizando-a como um uniforme que me liga
naturalmente, por sintonia, vibração e estímulo mental a toda uma hierarquia de “Beneditas de
Aruanda”, todas elas amparadas pelas nossas amadas Iabás das Águas: Oxum, Iemanjá e Nanã
Buroquê.
Esta forma plasmada demonstra que eu estou em serviço dentro da falange. É uma chave de
abertura para determinada vibração, ou mistério, como queiram. Dentro do ritual umbandista, três
são as grandes chaves de acesso que cada entidade traz. Primeiro seu nome simbólico, que, na
maioria dos casos, encontra-se em português, em yorubá, em tupi, guarani, ou outro dialeto indígena.
Essa é a chave “sonora” de aceso à vibração de um guia.
Como exemplo, peguemos a linha de caboclos Sete Flechas. Apenas a verbalização ou
mentalização do nome Sete Flechas já reverbera no astral e designa todo uma grande egrégora
trabalhadora dentro da vibração do Orixá Oxóssi e da Orixá Iansã. Essa é a chave sonora, ligada ao
verbo e às características do tipo de trabalho que o guia realiza. Nela está fundamentada a
mentalização dos nomes dos guias, assim como dos conhecidos pontos cantados de chamada de determinadas linhas.
A outra chave de acesso é o ponto riscado. Ele é a inscrição de símbolos que demonstram as
forças e campos no qual o guia trabalha. É a “chave vibratória” e a mais “direta” entre as três, pois o
magnetismo do ponto riscado de um caboclo Sete Flechas é só dele, e mesmo existindo outros
milhares de Sete Flechas, aquele ponto vibra em uma correspondência energética só sua. Dessa forma,
caso seu médium conheça o ponto, através dele acessa diretamente ao seu guia pessoal. Por isso, essa
é a chave mais velada e oculta, liberada de forma integral apenas quando o médium dá provas de
determinação e maturidade dentro do trabalho de Umbanda.
A terceira chave é a forma plasmada/roupagem fluídica de uma falange. Ela é de aspecto visual
e talvez seja para os encarnados a mais “genérica” entre as três. É nesse fundamento que se sustenta
o uso de imagens, pois através de uma sugestão mental invoca–se dentro da mente das pessoas uma
egrégora ou vibração especial. Dessa forma, caso o dirigente peça para que todos mentalizem a linha
dos caboclos, logo as imagens de índio utilizadas por todos caboclos virão à mente e por sintonia
visual–mental ocorrerá a ligação do encarnado com a parte astralina da corrente dos caboclos. Os
mestres orientais dizem que essa é a mesma ciência por trás do que ficou conhecido como Yantras no
oriente.
Mas, o aspecto mais profundo dentro desse fundamento é o da roupagem fluídica pessoal de
cada espírito. Ela pode ser conhecida tanto através das faculdades clarividentes como em projeções
astrais conscientes. É aqui que realmente podem-se conhecer as peculiaridades de cada forma que os
guias de lei de Umbanda utilizam e que estão mais ligados a detalhes pessoais da consciência
espiritual. Mas dentro de uma falange, essas peculiaridades são extremamente importantes, pois se
milhares de Caboclos Sete Flechas imprimem a seu corpo espiritual através da força do pensamento
uma forma semelhante entre si, às pequenas nuances e detalhes, refletirão dentro da hierarquia e das
funções que cada um deles tem dentro da falange.
Por fim, a forma plasmada é um meio de acabar com a vaidade e necessidade dos médiuns de
obterem comunicações com personalidades importantes quando encarnadas, o que, sem querer que
soe como uma crítica, é muito comum dentro do espiritismo mundial codificado por Kardec. Por detrás
da aparência de uma preta–velha, pode estar uma simples e sábia escrava, uma professora, uma
parteira, ou até mesmo uma grande santa ou sacerdotisa de outros tempos. Pouco importa, pois todas
respondemos dentro de uma linha (Preta–Velha) e de um grupo (Benedita). Nós ficamos “ocultas” por
assim dizer. Trabalhando e esclarecendo simplesmente por amor.
Esse sistema foi baseado no modo de viver dos seres naturais e encantados da natureza, onde
todos se veem como um grupo, como um grande organismo onde cada individualidade é uma pequena
célula de Um organismo maior, que são os Orixás, e esses, por sua vez, são outras grandes células que
formam o Todo, Olorum.
Dessa forma, trabalha–se por alegria e altruísmo, anulando–se o ego e a vontade própria, para o
prevalecimento do Eu divino e da vontade coletiva.
PERGUNTA:
A Senhora poderia explicar melhor como funcionam essas “chaves” de acesso a
determinada entidade ou corrente espiritual?
VÓ BENEDITA:
As “chaves” citadas no comentário anterior funcionam através de
correspondência vibratória. Para fazermos uma analogia com algo material, usemos o diapasão. O
diapasão é um instrumento utilizado para afinar instrumentos musicais, “calibrado” para vibrar em
determinada frequência, emitindo a nota Lá (440Hz).
Agora imaginem que as “chaves” estejam calibradas e sejam capazes de sintonizarem com
determinadas egrégoras assentadas no plano espiritual, captarem suas vibrações e transformarem-se
em polos irradiadores ou veículos manifestadores dessas vibrações.
Essa lei das correspondências vibratória é uma das leis básicas da magia e também da própria
mediunidade. Através de princípio semelhante, mas voltado às leis de vibração espiritual, um ponto
riscado entra em sintonia com o próprio magnetismo de um guia, ou um nome simbólico em si carrega
a vibração peculiar de uma determinada falange. Seguindo o mesmo raciocínio, à parte etérica da
glândula pineal de um médium “vibra” em correspondência vibratória com as ondas mentais enviadas
por uma entidade extrafísica, conseguindo captá-las. Pelos mesmos princípios, uma ferramenta
condensadora de axé, consagrada em algum sítio vibratório da natureza, pode reproduzir a partir de si
o mesmo magnetismo e energia do local natural. E nisso encontra-se um dos fundamentos dos otás e
ferramentas assentadas em um congá dentro de um terreiro de Umbanda. Mas aí, estaríamos entrando
em um outro assunto...
O importante aqui é entender como a lei da correspondência vibratória está na base de diversos
fundamentos da prática umbandista, ou de muitas outras práticas magísticas e espirituais. Tudo na
Criação vibra, nada é estático. E a sintonia e correspondência entre essas vibrações são uma grande
chave descortinadora de mistérios.
PERGUNTA:
Quanto ao comentário a respeito da anulação do ego através do uso de nomes e
aparências coletivas. Isso nos parece muito interessante. Você poderia nos explicar um pouco mais a
respeito?
VÓ BENEDITA:
“Deus, em sua infinita misericórdia, fez da morte a grande niveladora das
consciências humanas. Mas vocês, ignorantes das leis espirituais, continuam rotulando e julgando um
espírito pelo que ele foi ou deixou de ser no plano material” – essas foram as palavras do Caboclo das
Sete Encruzilhadas dentro da recém fundada federação espírita de Niterói, questionando o porquê de
espíritos de negros ou índios serem afastados das mesas espíritas.
Acreditamos que essa citação, por si só, já é mais eloquente do que qualquer coisa que
possamos falar. Na verdade, uma encarnação é apenas uma “roupa” ou “papel” representado no teatro cósmico das vidas sucessivas. Entendido isso, como se apegar a alguma personalidade terrena,
quando a realidade do espírito floresce aos nossos olhos? Apesar de compreender que em alguns casos
a identificação espiritual seja muito importante, para as necessidades básicas de atividade dentro da
Umbanda, o nome coletivo funciona muito bem.
Quem realmente eu sou? Um corpo físico, uma personalidade criada dentro dos parâmetros da
terra, ou um espírito imortal, parte de Olorum?
O que realmente é importante? A erudição que levo da terra, ou os tesouros do espírito que
carrego no baú do coração?
Quem realmente age? Benedita, um simples espírito em evolução, ou a mão do Orixá a guia,
como humilde instrumento de ação na vida dos semelhantes?
O que é mais valoroso? A cultura terrena que um espírito possui, ou sua luz e sua energia
pessoal?
Respondam com discernimento, sabedoria e carinho o que aqui foi perguntado e entenderão por
si mesmos esse fundamento dos nomes e aparências coletivas dentro da Umbanda.
Olá, sou Anna Pon, autora deste blog.
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