Maria Navalha – A primeira Pomba-gira?
Maria Navalha – A primeira Pomba-gira?
por Edmundo Pellizari
Os velhos Tatas do Rio de Janeiro de antanho, grandes conhecedores da Magia Africana,
gostavam de contar a pitoresca história de Dona Maria Navalha.
Para alguns ela foi a primeira Pomba-Gira brasileira. Sim! Afinal, a querida Maria Padilha foi
espanhola e a Bruxa de Évora, a Pomba-gira mais antiga, nasceu em Portugal.
Maria Navalha foi brasileira legítima e carioca do bairro da Gamboa, zona portuária da cidade
maravilhosa.
Sua história começou no final do século XIX, quando o bairro ganhou a primeira favela que se
tem notícia, lá no Morro da Providência. Foi onde nasceu e cresceu uma mestiça de nome Maria.
Linda, alta, forte, dona de um olhar magnético que chamava a atenção. Os sofrimentos da infância
deram-lhe uma personalidade determinada e valentia. Aprendeu a se virar sozinha, pois desde cedo
perdeu os pais e foi morar na rua.
Uma menina abandonada não tem muita opção, e logo ela foi introduzida no mundo da “vida
noturna” e da malandragem, onde teve famosos mestres e mestras que a iniciaram na vida noturna.
Foi nas ruas, cabarés e bares que a jovem Maria construiu sua fama e adquiriu seu “apelido”. Contam
que ela bebia como um marinheiro, fumava como um estivador e brigava como um leão de chácara,
mas sem perder a feminilidade.
Capoeiristas famosos a respeitavam e tinha homem grande que
tremia diante dela. Escondida no belo corpo sempre levava uma afiada navalha.
Com seu gênio briguento, conseguiu muitos inimigos. Nenhum deles tinha coragem de enfrentá-la cara a cara.
Toda sexta-feira era sagrada para Maria. Ela se arrumava e ia para a Macumba, culto sincrético e
respeitado nos ambientes mágicos do Velho Rio de Janeiro.
A sessão começava tarde da noite e no pequeno barracão do morro, ao som dos atabaques e
cantigas, os Deuses da África e os Eguns baixavam juntos. Assim era o alegre canjerê, tudo misturado
e sem uma ordem formal.
Aqui rodava um Orixá, ali consultava um caboclo do mato e ao lado pitava
um preto velho.
A Macumba era o culto do povo, dos simples e dos sofridos... Não era um antro de magia negra
ou templo do demônio. Isso era o que diziam os preconceituosos de plantão, racistas, carolas e
endinheirados ignorantes. Este tipo de gente ainda gosta de criticar as religiões de matrizes caboclas
e africanas.
Foram nessas históricas Macumbas cariocas que as almas dos primeiros Exus baixaram (refiro-me
aos espíritos e não ao Orixá).
Somente mais tarde, com o advento da religião de Umbanda, é que esses trabalhadores do
Mundo Invisível vão ser reconhecidos em sua total grandeza e sobrenatural mistério.
Nesta época Exu
era, sobretudo, o amigo do pobre, do desvalido, do injustiçado e da prostituta. O Rei da Noite e o
Imperador da Macumba.
Dona Maria Navalha ouviu muito os conselhos dos Exus, despachou nas escuras encruzilhadas do
porto, fabricou talismãs e usou figas. Ensinou banhos e simpatias para as colegas de trabalho, ouviu
problemas dos clientes e enxugou lágrimas de muitas vizinhas.
Era uma alma generosa dentro do corpo
de uma guerreira.
A primeira parte da vida dessa mulher terminou numa noite sem Lua. Ao cruzar um beco foi
surpreendida por trás e levou uma fatal facada de um inimigo. Morreu na rua onde viveu e trabalhou.
Começava a segunda parte de sua vida. Faleceu a Maria mulher e nasceu a Maria entidade!
Depois surgiram as lendas e muitas coisas foram ditas a respeito dela.
Contam que foi amante de
Zé Pelintra e até que o matou! Que ela teve trinta e três maridos, amantes estrangeiros etc.
Dona
Maria Navalha entrou para a história e virou mito.
O certo é que depois de morta ficou mais viva que
nunca.
Certa noite, desta vez lindamente enluarada, durante uma sessão de Macumba no morro, Dona
Maria baixou no terreiro... Incorporou numa menina negra magrinha que estava num canto. Maria
Navalha ergueu aquele frágil corpinho, tomou um aspecto imponente e falou para a assembleia que
ficou maravilhada!
Assim surgiu a primeira Pomba-gira do Brasil, antes mesmo da Umbanda ter nascido.
Um dos
Pontos de Maria Navalha canta:
MULHER DE MALANDRO TEM NOME
E SE CONHECE PELA SAIA.
VARA CURTA E ONÇA BRAVA,
ELA É MARIA NAVALHA!
E Salve Dona Maria Navalha!
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