A paciência que o Preto-Velho ensina
Apesar do avanço da vacinação, do baixo número de internações e do número de infectados, aparentemente baixo, a pandemia não acabou.
Mesmo vacinados podemos contrair o vírus e propaga-lo infectando assim quem ainda não se vacinou ou a outros que tem baixa imunidade.
É uma questão de saúde pública, mas é, principalmente, uma questão de respeito a si e ao próximo.
Decretos autorizando retomadas das atividades não significam que tudo está liberado, que o perigo já passou e que não devemos mais ter cautela e cuidado. Não. Os decretos tem seus objetivos e o ser humano, de bom senso, entende isso e segue se cuidando.
O momento ainda exige cautela e prevenção, mas não tenho observado isso. Parece que as pessoas retomaram as atividades e estão pouco se importando com a propagação do vírus que é mortal, perigoso e extremamente agressivo.
A impressão que tenho é que o número de mortes já não causa mais impacto, que o respeito pela dor de tantas famílias se perdeu.
Além do número altíssimo de mortes, há ainda os que sofrem com as sequelas, que lutam para recuperar a saúde, mas nada disso parece ter mais importância porque a urgência do povo é a de seguir e esquecer tanta tristeza e dor.
Compreendo que todos estejamos cansados e ansiosos por melhores tempos onde o medo ceda lugar à esperança, mas ainda não é o momento.
Não é o momento de aglomerar, mesmo que seja em número reduzido porque basta um contaminado para que se contaminem muitos e mesmo vacinados, nada garante que o vírus não possa fazer estragos em nosso organismo. Cada um reage ao vírus de uma forma.
Para nós, Umbandistas, a pandemia foi e está sendo um momento difícil e complicado porque somos de uma religião onde o contato físico é muito grande e nossos terreiros, em sua grande maioria, são espaços pequenos, fáceis de aglomerar, portanto, são locais onde facilmente podemos nos contaminar e disseminar o vírus e tal comportamento não colabora em nada com o coletivo que nos dias de hoje é nossa maior preocupação.
Muitos ensinamentos nos são transmitidos na Umbanda e um deles é o respeito ao próximo, a empatia, o não julgamento e a observação diária dos nossos próprios atos e comportamento diante da vida e da sociedade, pois bem; fomos convocados a colocar em prática tudo isso e muito mais. Estamos conseguindo?
Cada um responda segundo sua consciência.
Preto-Velho nos ensina a paciência, a cautela, a sabedoria, a dar um passo de cada vez e esperar o tempo certo para tudo na vida. Essas são pérolas que eles nos trazem, mas o que percebo, na prática, é que tudo é muito bom e bonito desde que não sejam contrariados os desejos e as urgências de tantos que vem se comportando inadequadamente diante de um cenário triste que afeta a humanidade.
Será que um decreto vale mais que a palavra de um Preto-Velho?
Dizem alguns: "Paciência tem limite". Sim, acredito nisso, mas acredito que diante de um cenário tão desolador, nosso dever primeiro seja o de ser exemplo de resistência, de fé e de esperança, sempre observando o cuidado com o outro demonstrando assim, com coragem, que podemos sim esperar pelo tempo certo de retomar e os devidos cuidados, tão pregados pelo verbo sem ação, são cuidados que devemos ter sempre, por hábito não por imposição.
Tenho visto pelas redes sociais, terreiros abarrotados de pessoas sem máscara, ou usando o acessório de maneira inadequada, festejando, como se tudo já estivesse sob controle quando não está e a espiritualidade nos adverte sobre isso, sobre exercitarmos a paciência, a empatia e o zelo pelo coletivo porque a Umbanda é isso, a manifestação da espiritualidade para auxiliar os que buscam a encontrar em si mesmos as forças que às vezes lhes falta.
Esse é o momento de praticar tudo o que aprendemos, de ter fé acima de qualquer obstáculo, de compreender que a distância física não nos distancia nem de Deus, nem dos Orixás e da espiritualidade, é o momento de seguir da melhor forma possível, seja em reuniões on-line ou no íntimo de uma prece sincera por dia, seja acendendo uma vela, cuidando de sua quartinha e material de trabalho para que esteja pronto para quando o momento certo chegar.
Sempre temos oportunidade de seguir servindo seja lá qual for a nossa religião, sempre podemos ser úteis ao próximo, há muitas maneiras de fazer isso sem violar o direito à saúde.
Na Umbanda o coletivo é sagrado, cuidar do outro faz parte e se o momento exige distância, para que esse cuidado seja efetivo, para que a saúde de todos seja preservada, então temos o dever de nos posicionarmos a favor da vida e aguardar, com paciência e fé, como nos diz nosso querido Preto-Velho, pelo momento certo e seguro de voltar.
"Quem espera sempre alcança se não deposita em quimeras a sua esperança", já dizia Pai Inácio que me ditou sua história a mais de dez anos.
Lamento por tanto descaso que tenho visto por parte de muitos irmãos de fé.
Desejo melhores dias,
Anna Pon
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