Orixá Exu - por Pierre Verger
Orixá Exu
Pierre Verger foi o primeiro a publicar estudo, a fundo, sobre os Orixás Africanos.
Divindades cultuadas em várias Nações da Cultura Nagô, que hoje correspondem à região da atual Nigéria e parte da República do Benin.
Os textos abaixo fazem parte dos livros Orixás – Pierre Fatumbi Verger (Ed. Corrupio, 2002 - Tradução de Maria Aparecida da Nóbrega) e Notas Sobre o Culto aos Orixás e Voduns, de Pierre Verger.
O texto aborda a forma como é entendido o Orixá Exu no Culto de Nação – na África – e no Candomblé - Afro-brasileiro.
Vale lembrar que o texto não pretende esgotar o assunto.
Como Umbandista, respeito o pensamento alheio, a fé do outro e, para uma boa e proveitosa leitura do texto que segue, convido a todos a pensarem sem julgar, de forma respeitosa e que seja a título de conhecimento.
Anna Pon
Os Orixás na África por Pierre Verger
O termo “Orixá” nos parecera outrora relativamente simples, da maneira como era definido nas obras de alguns autores que se copiaram uns aos outros sem grande discernimento, na segunda metade do século passado e nas primeiras décadas deste. Porém, estudando o assunto com mais profundidade, constatamos que sua natureza é mais complexa.
Léo Frobenius é o primeiro a declarar, em 1910, que: “a religião dos iorubás tal como se apresenta atualmente só gradativamente tornou-se homogênea. Sua uniformidade é o resultado de adaptações e amálgamas progressivos de crenças vindas de várias Direções”. Atualmente, setenta anos depois (1980), ainda não há, em todos os pontos do território chamado Iorubá, um panteão dos orixás bem hierarquizado, único e idêntico. As variações locais demonstram que certos orixás, que ocupam uma posição dominante em alguns lugares, estão totalmente ausentes em outros.
O culto de Xangô, que ocupa o primeiro lugar em Oyó, é oficialmente inexistente em Ifé, onde um deus local, Oramfé, está em seu lugar com o poder do trovão.
Oxum, cujo culto é muito marcante na região de Ijexá, é totalmente ausente na região de Egbá.
Iemanjá, que é soberana na região de Egbá, não é sequer conhecida da região de Ijexá. A posição de todos esses orixás é profundamente dependente da história da cidade onde figuram como protetores, Xangô era, em vida, o terceiro rei de Oyó.
Oxum, em Oxogbô, fez um pacto com Larô, o fundador da dinastia dos reis locais, e em consequência a água nessa região é sempre abundante. Odudua, fundador da cidade de Ifé, cujos filhos tornaram-se reis das outras cidades iorubás, conservou um caráter mais histórico e até mesmo mais político que divino. Veremos mais adiante que as pessoas encarregadas de evocar Odudua não entram em transe, o que destaca seu caráter temporal.
A religião dos orixás está ligada à noção de família. A família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização.
O orixá é uma força pura, axé imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn, aquele que tem o privilégio de ser “montado”, gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar à terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram.
Os elégùn muitas vezes são chamados iyawóòrìxà (iaô), mulher do orixá. Esse termo tanto se aplica aos homens quanto às mulheres, e não evoca uma ideia de união ou de posse carnal, mas a de sujeição e de dependência...
(VERGER, Ed. Corrupio, 2002)
Exu Elegbará ÉSÚ ELÉGBÁRA
Ésú na África
Exu é um orixá ou um ebora de múltiplos e contraditórios aspectos, o que torna difícil defini-lo de maneira coerente. De caráter irascível, ele gosta de suscitar dissensões e disputas, de provocar acidentes e calamidades públicas e privadas.
É astucioso, grosseiro, vaidoso, indecente, a tal ponto que os primeiros missionários, assustados com essas características, compararam-no com o Diabo, dele fazendo o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade, abjeção, ódio, em oposição à bondade, à pureza, à elevação e ao amor de Deus. Entretanto, Exu possui o seu lado bom e, se ele é tratado com consideração, reage favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Se, pelo contrário, as pessoas se esquecerem de lhe oferecer sacrifícios e oferendas, podem esperar todas as catástrofes.
Exu revela-se, talvez, desta maneira o mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom. Ele tem a qualidade dos seus defeitos, pois é dinâmico e jovial, constituindo-se assim um orixá protetor, havendo mesmo pessoas na África que usam orgulhosamente nomes como Ésúbíyìí (“concebido por Exu”), ou Èsùtósìn (“Exu merece ser adorado”).
Como personagem histórica, Exu teria sido um dos companheiros de Odùduà, quando da sua chegada a Ifé, e chamava-se Èsù Obasin. Tornou-se, mais tarde, um dos assistentes de Orunmilá, que preside a adivinhação pelo sistema de Ifá.
Segundo Epega, Exu tornou-se rei de Kêto sob o nome de Èsù Alákétu. É Exu que supervisiona as atividades do mercado do rei em cada cidade: o de Oyó é chamado Èsù Akesan. Como orixá, diz-se que ele veio ao mundo com um porrete, chamado ogó, que teria a prioridade de transportá-lo, em algumas horas, a centenas de quilômetros e de atrair, por um poder magnético, objetos situados a distâncias igualmente grandes.
Exu é o guardião dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. É também ele que serve de intermediário entre os homens e os deuses. Por essa razão é que nada se faz sem ele e sem que oferendas lhe sejam feitas, antes de qualquer outro orixá, para neutralizar suas tendências a provocar mal-entendidos entre os seres humanos e em suas relações com os deuses e, até mesmo, dos deuses entre si. Exu teve numerosas brigas com os outros orixás, nem sempre saindo vencedor. Certas lendas nos contam seus sucessos e seus reveses nas suas relações com Oxalá, ao qual fez passar alguns maus momentos, em vingança por não haver recebido certas oferendas, quando Oxalá foi enviado por Olodumaré, o deus supremo, para criar o mundo. Exu provocou-lhe uma sede tão intensa que Oxalá bebeu vinho de palma em excesso, com consequências desastrosas.
O lugar consagrado a Exu entre os iorubas é constituído de um pedaço de pedra porosa, chamada yangi, ou por um montículo de terra grosseiramente modelado na forma humana, com olhos, nariz e boca assinalados com búzios; ou então ele é representado por uma estátua, enfeitada com fieiras de búzios, tendo em suas mãos pequenas cabaças (àdò), contendo os pós por ele utilizados em seus trabalhos. Seus cabelos são presos numa longa trança, que cai por trás e forma, em cima, uma crista para esconder a lâmina da faca que ele tem no alto do crânio. Isso, por sinal, é dito em uma de suas saudações: “Sonso abè kò lòri erù”. [“A lâmina (sobre a cabeça) é afiada, ele não tem (pois) cabeça para carregar fardos.”]
Exu pode fazer coisas extraordinárias que se exprimem no seu oríkì, os louvores tradicionais: “Exu faz o erro virar acerto e o acerto virar erro”. “É numa peneira que ele transporta o azeite que compra no mercado; e o azeite não escorre dessa estranha vasilha.” “Ele matou um pássaro ontem, com uma pedra que somente hoje atirou. Se ele zanga, pisa nessa pedra e ela põe-se a sangrar.” “Aborrecido, ele senta-se na pele de uma formiga”. “Sentado, sua cabeça bate no teto; de pé, não atinge nem mesmo a altura do fogareiro”.
Légba
Entre os fon do ex-Daomé, Èsù-Elègbára tem o nome de Légba. Ele é representado por um montículo de terra em forma de homem acocorado, ornado com um falo de tamanho respeitável. Esse detalhe deu motivo a observações escandalizadas, ou divertidas, de numerosos viajantes antigos, e fizeram-no passar, erradamente, pelo deus da fornicação. Esse falo ereto nada mais é do que a afirmação de seu caráter truculento, atrevido e sem vergonha, e de seu desejo de chocar o decoro...
1 Este “lugar consagrado” é onde se faz firmeza ou assentamento, Yangi é a pedra de Laterita Vermelha, original da África.
Exu no Novo Mundo
O lugar consagrado a Exu é, geralmente, ao ar livre ou no interior de uma pequena choupana isolada ou, ainda, atrás da porta de casa. É simbolizado por um tridente de ferro, plantado sobre um montículo de terra e, algumas vezes, por uma imagem, igualmente de ferro, representando o Diabo brandindo o tridente.
A segunda-feira é o dia da semana consagrado a ele. As pessoas que procuram a sua proteção usam colares de contas pretas e vermelhas. As oferendas, de animais e comida, como na África, são lhe apresentadas antes das dos outros orixás. Diz-se na Bahia que existem vinte e um Exus, segundo uns, e apenas sete, segundo outros.
Alguns dos seus nomes podem passar por apelidos, outros parecem ser letras dos cânticos ou fórmulas de louvores.
Eis alguns:
Exu-Elegbá ou Exu-Elegbará e seus possíveis derivados: Exu-Bará ou Exu- Ibará, Exu-Alaketo, Exu-Laalu, Exu-Jelu, Exu-Akessan, Exu-Loná, Exu-Agbô, Exu-Larôye, Exu-Inan, Exu-Odara, Exu-Tiriri.
Assinalamos anteriormente que, antes de realizar o “xirê” dos orixás, faz-se, na Bahia, o “padê”, palavra que, como vimos, significa em iorubá encontro ou reunião, durante a qual Exu é chamado, saudado, cumprimentado e enviado ao além com uma dupla intenção: convocar os outros deuses para a festa e, ao mesmo tempo, afastá-lo para que não perturbe a boa ordem da cerimônia com um dos seus golpes de mau gosto.
Esu Elegbara, Legba Na África por Pierre Verger Notas Sobre o Culto aos Orixás e Voduns – Ed. Edusp
Seu lugar de origem é impreciso. No Daomé, segundo Bernard Maupoil, diz-se que “era um homem que se tornou Vodun em Ijelu, na região de Ayo, a alguns dias de distância de Ile Ife, isto é, na Nigéria”.
Trata-se sem dúvida, de Ijebu. Em Ijebu, segundo Onadele Epega, dizem que ele foi posto no mundo, em Ile Ife por Oloja, e se teria tornado o primeiro rei de Ketu (Ala Ketu) e ancestral do primeiro rei Egba. Em Ile Ife, segundo Frobenius, acredita-se que ele tenha vindo do leste, localidade far-se-ia uma distinção entre Seu, cujo culto se praticaria, sobretudo no Norte, e Elegba, divindade fálica no Sul, com o qual Seu teria tendência a identificar-se.
Segundo o padre Baudin, seu templo principal situa-se em Woro, perto de Badagris. Ellis, finalmente, indica que sua principal residência seria igbeti, em uma montanha perto do rio Níger, onde ele teria um palácio de cobre e numerosos servidores (seria o palácio de Sango, a que se refere à lenda e que se situaria na antiga Oyo Katunga, perto de Igbeti e nas proximidades do Niger?).
Devido as suas funções de mensageiro dos outros Orisa e à suscetibilidade de seu caráter, é preciso tomar cuidado, quando se realizam as cerimônias, para fazer-lhe oferendas antes dos demais Orisa, para que a celebração das festas transcorra com calma e dignidade. A origem dessa precedência baseia-se, em princípio, em diversas lendas... [...] Lydia Cabrera escreve que: Em Cuba, os santeros contam que esse privilégio foi concedido a Esu por Olofin, o pai eterno. Este sofria de um mal misterioso que piorava dia a dia e o impedia de realizar seu trabalho. Todos os santos haviam tentado, em vão, curá-lo ou ao menos aliviá-lo, mas seus remédios não haviam dado resultado algum, e o pai de todos os Orisa e criador já não conseguia mais andar e estava muito debilitado. Elegba ainda era um menino e, apesar de sua pouca idade, pediu a sua mãe para levá-lo à casa do velho Olofin, garantindo que o curaria. Escolheu determinada erva, com a qual fez uma infusão, e assim que o velho engoliu aquela bebida amarga, com a terrível careta que se faz nessas ocasiões, sentiu um bem-estar imediato, a regressão de seus incômodos fisiológicos e uma melhoria de seu estado que o conduziu rapidamente ao caminho da cura completa. Reconhecido. Olofin ordenou aos Orisa que concedessem a Elegba as primícias de suas oferendas.
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