Mística de Umbanda




Mística de Umbanda - I 
por Alexandre Cumino 

Hoje é dia 12 de Julho de 2008, acabo de realizar um trabalho de meditação na força dos Orixás e me ocorreu então de escrever algumas linhas sobre o que vou chamar de Mística de Umbanda. 

Entendo que a Umbanda já é mística por natureza, por isso não usaria o termo “Umbanda Mística” e sim “Mística de Umbanda”, o que são apenas algumas considerações sobre a mística na Religião de Umbanda. 

A maioria das religiões tem uma vertente mística (Mística Sufi para o Islã, Mística Cabala para Judaísmo, Mística Cristã para Catolicismo, Mística Vedanta para o Hinduísmo, Mística Zen para o Budismo etc.), outras são místicas por natureza, como o Taoísmo; na Umbanda tanto a Mística quanto a Magia caminham lado a lado com a liturgia e o ritual, onde cada um dos adeptos alcança maior ou menor grau em sua prática. 

O Místico é aquele que busca a união com o Todo, aquele que busca integrar-se ao Todo, aquele que abre mão de si mesmo para que o Todo se manifeste, na experiência mística. E assim também pode ser entendida, por exemplo, a mística da incorporação, em que abrimos mão de nós mesmos para que uma outra consciência se manifeste. 

No caso da incorporação de Orixá, abrimos mão de ser parte para nos integrarmos a um mistério maior totalmente ligado ao Todo. Compartilhar sentimentos, virtudes e qualidades com aqueles que já alcançaram uma realidade maior é no mínimo experimentar “O Vinho do Místico”, experimentar a sagrada loucura de viver o que pode ser sentido, mas pouco pode ser explicado. 

Podemos descrever fisicamente uma cachoeira e nossas sensações diante de tal esplendor, no entanto, nos faltam palavras para uma real explicação das sensações. Só quem esteve em uma cachoeira pode entender o que é sentido diante da mesma, mesmo porque cada um sente diferente, assim como cachoeiras também são diferentes. Há, inclusive, pessoas capazes de ir a uma cachoeira e ver apenas os mosquitos lhe incomodando, a água fria que desencoraja o mergulhar ou o frio da brisa, que para outros é a voz do canto e encanto de Oxum. 

Mística é sentir que nós, Oxum, a cachoeira e Deus somos apenas UM, místico é o que deixando a BANDA de lado se une no UM da UMBANDA, o UM que é o TODO o UM que é TUDO. 

Místico é aquele que ama a Deus e aos Orixás com o AMOR dos apaixonados, um amor que não se explica, um amor que está além das palavras, um amor que cala a alma, como a “Voz do Silêncio” de Blavatsk. 

Aurélio Buarque de Holanda dá cinco definições para místico, e eu fico apenas com a quinta que melhor traduz a essência deste texto: 

“5. Aquele que, mediante a contemplação espiritual, procura atingir o estado estático de união direta com a divindade.” 

Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henry Notaker, no “O Livro das Religiões”, definem: 

“A experiência mística pode ser caracterizada, resumidamente, como uma sensação direta de ser um só com Deus ou com o espírito do universo. Apesar de a oração e o sacrifício implicarem uma grande distância entre Deus e o homem – ou entre Deus e o Mundo –, o místico tenta transpor este abismo. Em outras palavras: o místico não sente a existência desse abismo. Ele é ‘absorvido’ em Deus, ‘se perde’ em Deus, ou ‘desaparece’ em Deus... (Um místico indiano disse certa vez: ‘quando eu existia, não existia Deus – agora Deus existe, e eu não existo mais’. Ele ‘se perdeu’ em Deus).” 

Segundo Faustino Teixeira, no livro “No Limiar do Mistério: Mística e Religião”: “Na raiz grega do termo ‘mística’ (mystikós) encontra-se o verbo myein, que significa ‘fechar os lábios e os olhos’. O místico é alguém familiarizado com a visão interior, que ultrapassa a consciência ordinária, ele vive a radicalidade da presença de algo absolutamente novo e gratuito; vive uma experiência que toca a dimensão profunda e escondida da realidade.” 

A relação do místico com Deus está além da servidão, do medo ou da obrigação, o místico é um encantado pelo Amor Divino. Para ele ou ela, qualquer que seja a sua religião, a mesma se tornará única e exclusivamente a Religião do Amor, como dizia o Místico Sufi Rumi, criador da ordem dos dervixes dançantes ou girantes. No entanto, a mística se fundamenta em prática e não somente em teorias, o próprio Rumi costumava dizer: “Se esse conhecimento pudesse ser obtido simplesmente pelo que dizem outros homens, não seria necessário entregar-se a tanto trabalho e esforço, e ninguém se sacrificaria tanto nessa busca. 

Alguém vai à beira do mar e só vê água salgada, tubarões e peixes. Ele diz: ‘Onde está essa pérola de que falam? Talvez não haja pérola alguma’. Como seria possível obter pérola simplesmente olhando o mar? Mesmo que tivesse de esvaziar o mar cem mil vezes com uma taça, a pérola jamais seria encontrada. É preciso mergulhar para encontrá-la.” Todo Místico terá um olhar diferenciado para a religião, Dionísio, o Areopagita, deixou escrito um dos mais célebres textos da Mística Cristã, onde coloca a sua oração a Deus desta forma: 

“Ó vós, trindade além do ser, conduzi-nos à altura da revelação mística, sublime além de todo pensamento e luz; onde os mistérios simples, absolutos e imutáveis da divina verdade estão escondidos, na translúcida escuridão daquele silêncio que se revela em segredo. Pois esta escuridão, embora da mais profunda obscuridade, é, contudo, radiantemente clara e, embora além do toque e da visão, ela transborda nossas mentes invisíveis com esplendores de transcendente beleza. Esta é minha oração. Quanto a ti, amado Timóteo, empenhando-te sinceramente na contemplação mística, abandona os sentidos, os trabalhos do intelecto, e tudo o que possa ser sentido e sabido, e tudo o que não é e é. Pois, desse modo, tu podes alcançar ignorando, até o ponto que é possível, a unidade daquele que está além de todo ser e conhecimento.” 

E sobre este texto, no livro “Teologia Mística”, Osho, também um Místico, Filósofo, Poeta e Teólogo Hindu comenta: 

“Dionísio é um dos maiores budas de todos os tempos. E quando acontece de um erudito oriental, por acaso, por acaso absoluto, encontrar-se com uma pessoa como Dionísio, ele começa a pensar que este deve ter ‘tomado emprestado’ do Oriente. Esta parece ser uma presunção tácita: que o oriente tem algum monopólio sobre o espiritualismo. Ninguém tem nenhum monopólio. Oriente e Ocidente não podem fazer qualquer diferença no crescimento espiritual do homem. Jesus pôde tornar-se um buda em Jerusalém, Lao Tzu pôde tornar-se um buda na China; Dionísio pôde tornar-se um buda em Atenas. Não há nenhuma necessidade de se tomar nada emprestado de ninguém.” 

Seguindo a linha de raciocínio e pensamento de Osho, também temos a oportunidade de nos tornarmos um Buda na Umbanda. Alcançarmos a iluminação em qualquer lugar que seja, termos a experiência mística. E lendo estas linhas podemos ver muito de Umbanda em cada uma delas, no entanto, é certo que cada um se relaciona de forma diferente com Deus, os Orixás e Guias da Umbanda. 

Que estas linhas venham ao encontro dos corações que têm na Umbanda a sua Religião do Amor e em Deus a manifestação deste Amor através dos Orixás e Guias. “Chamar Deus de Mãe é um ideal mais elevado do que chamá-lo de Pai e chamá-lo de amigo é ainda mais elevado, mas o mais elevado é chamá-lo como amado.” 

Swami Vivekananda 
Bibliografia: ADSWARANANDA, Swami. Vivekananda: Professor Mundial. São Paulo: Editora Madras, 2007. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1986. GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. OSHO. Teologia Mística. São Paulo: Editora Madras. RUMI. Fihi-ma-fihi. São Paulo: Editora Dervish, 1993. SARACENI, Rubens. Orixá Exu Mirim. São Paulo: Editora Madras, 2008. TEIXEIRA, Faustino. No Limiar do Mistério: Mística e Religião. São Paulo: Editora Paulinas, 2004


Mística de Umbanda – II
por Alexandre Cumino

Dando continuidade à série “Mística de Umbanda”, pude observar teoricamente e na prática o sentido do que, a rigor, não se explica, a experiência mística, que transcende qualquer forma de expressão. Pelo fato de as palavras não serem suficientes para traduzir o que se vive na prática é que “O Místico” busca se expressar por metáforas, símbolos e alegorias ou pelo silêncio.

O autor espiritual em “Lendas da Criação”, de Rubens Saraceni (Editora Madras), propõe uma nova abordagem para uma Mitologia Umbandista. Nele há uma passagem onde Oxalá conversa com Olorum. O que poderia ser mais metafórico que esta conversa? No entanto, além da alegoria está a mensagem e o que o texto oculta e ou revela, já que esta é também uma das funções de um Mito,
revelar o sagrado aos iniciados (aos preparados, a quem tem olhos para ver), ao mesmo tempo em que o oculta dos olhares profanos (os não iniciados que poderiam dar mau uso ao conhecimento). O Mito evita que pérolas sejam jogadas aos porcos, assim como nas parábolas, assumem entendimentos diversos segundo o grau e a condição que cada um tem em interpretá-lo.

Agora vejamos como se relacionam Oxalá e Olorum, no texto do Livro "Lendas da Criação":

“Oxalá Pôs-se a pensar. E no seu pensar ele fechou-se em si mesmo. Oxalá pensou, pensou e pensou! E tanto Oxalá pensou, que se tornou um pensar em si mesmo; e seu pensar tornou-se pensamento puro e sua mente alcançou o âmago de Olorum, que é pensamento puro e puro pensar. No seu pensar, Oxalá transcendeu a si mesmo, à matriz geradora de matrizes que o gerara, e alcançou o âmago de Olorum, o seu pai e seu criador que o criara no seu pensar e o gerara em sua matriz geradora da plenitude, que era ele em si mesmo.

E Olorum pensava por meio de Oxalá e este pensava em Olorum...

– No âmago do meu pai, eu sou o meu pai, e o meu pai realiza-se em mim... Em mim, o meu pai é Oxalá, mas, no meu pai, eu sou Olorum!...

Pai e filho são a mesma coisa, ainda que o filho tenha sido criado no pensar do seu pai, este está por inteiro nele, pois traz em si o pensamento que o criou... (p.48)

– Meu pai, só sentimos a plenitude interior quando estamos por inteiro no senhor e deixamos de ser uma de suas partes e tornamo-nos o senhor por inteiro. É isso, meu pai?

– É isso sim, meu filho amado. A plenitude exterior, todos a alcançarão como fruto do próprio esforço em construí-la em sua volta. Mas a plenitude interior só em mim será alcançada. (p.50)

– Por que sou seu primogênito unigênito, meu pai?

– Porque antes de gerar todos os seus irmãos e irmãs, eu o gerei na matriz geradora de matrizes...

Em você eu estou por inteiro em todos os meus aspectos. Mas, neles (nos outros Orixás) eu estou por inteiro nos aspectos que eles manifestam.” (p.51)

E neste “diálogo” entre o Maior dos Orixás e o Criador Olorum observamos a união entre Deus Olorum e sua Divindade Oxalá, que quando verbalizado é um modelo de união mística entre o filho e o pai, modelo que pode e deve ser seguido por quem busca plenitude.

Oxalá é o Orixá que melhor representa esta união enquanto Orixá da Plenitude. 
Sincretizado com Cristo, Oxalá é confundido com Deus, pois no Catolicismo Cristo é Deus, a segunda pessoa da trindade, o filho. Pouco explorado, este aspecto católico mostra o quanto Cristo praticou e viveu a união mística, colocada em palavras: 

“Eu e o Pai somos UM”. Oxalá é conhecido como o mais velho dos Orixás (segundo Exu há controvérsias) e também como Pai dos Orixás que mais uma vez o aproxima do criador. 

Na mitologia nagô yoruba, é Oxalá quem cria e modela os homens. Oxalá está em toda parte, é o Sol visto da Terra e a Terra vista do Sol. Das cores ele é o branco, que traz em si todas as cores. Cada Orixá tem um magnetismo próprio, e Oxalá é o próprio magnetismo, assim ele é a base da criação. 

Nada mais místico que o “relacionamento” entre Olorum e Oxalá, onde um se confunde no outro. Que Oxalá nos conduza também nesta confusão divina e, se este texto lhe confunde, não se preocupe, pois apenas nos perdendo de nós mesmos é que podemos ser encontrados ou pescados por aquele que pesca nossos corações. 

Como Fé e Plenitude são, em si, a presença de Deus, Oxalá é Deus em nós. 

Ainda no livro "Lendas da Criação" observamos também um "diálogo" entre Ogum e Olorum, que da mesma forma nos leva a um pensar de forma mística: 

"Ogum abraçou Olorum e deixou correr lágrimas, de tanto que o amava. E nesse abraço recebeu de seu pai todos os fatores que precisaria gerar para bem exercer suas funções divinas na morada exterior. Mas algo mudou em Ogum naquele momento tão angustiante para ele, que era a separação de seu pai Olorum. 

Ogum deixou de ter a sua visão e passou a ter a visão de Olorum; deixou de sentir a si próprio e passou a sentir Olorum; deixou de sentir suas emoções e passou a sentir as de Olorum; deixou de pensar por sua mente e passou a pensar pela mente de Olorum etc. Enfim, Ogum vibrou intensamente o desejo de ficar abraçado ao seu pai por todo o sempre, de tanto que o amava, que Olorum passou a viver em Ogum, ainda que ambos continuassem a ser o que eram. Pai e filho!" (p.319) 

O que vemos aqui é o modelo de como se manifestam as divindades de Deus onde não há diferença entre a vontade do criador e a vontade de suas divindades, sejam os Orixás ou qualquer outra divindade em outras culturas. 

A Divindade ocupa um Plano ou realidade divina onde ela é a manifestação viva e plena das qualidades, atributos e atribuições do Criador. Este é o modelo para o crescimento e a evolução dos seres, onde somos imagem e semelhança de Deus, quanto mais nos afinizarmos à vontade divina ou à perfeição, mais próximos de Deus estamos. 

O AMOR é a principal via para a experiência mística, onde o objeto deste AMOR é o Ser Supremo. Quando nos unimos misticamente a OGUN ou OXALÁ, também estamos nos unindo a DEUS, pois OGUN, OXALÁ e todos os outros Orixás estão EM DEUS. 

Assim temos na Umbanda ou no Candomblé a incorporação de Orixá como algo que transcende o fenômeno mediúnico pura e simplesmente, a incorporação de Orixá é também um fenômeno místico e uma experiência única. 

Obs.: Neste caminho místico um outro Orixá pode nos ajudar, e muito, EXU, mas este já é assunto para um outro texto... 

Bibliografia: 
SARACENI, Rubens. Lendas da Criação. São Paulo: Editora Madras, 2005.



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