Um Preto Velho na Igreja Evangélica


 


A história que vou contar é real, porém, nomes de instituições e pessoas, são fictícios, o objetivo é respeitar a todos.

Nascido e criado no meio Umbandista, um dia Ari resolveu buscar outra religião, já não sentia, em seu coração, o mesmo amor, a mesma fé, por sua religião de berço, sendo assim, partiu em busca de algo novo que fosse capaz de preencher o vazio que sentia naquele momento.

Ari é jovem, tem amigos, e foi conversando com um amigo sobre religião, que decidiu conhecer uma igreja evangélica.

No começo pediu muitas informações ao amigo que o acompanharia. O amigo falava sobre a igreja e sua religião com entusiasmo, com alegria e isso animou Ari a seguir em frente.

No primeiro momento, Ari se sentiu desconfortável na igreja, mas por respeito, manteve a calma e participou do culto prestando muita atenção no que era dito e em todos.

Tudo era muito diferente, desde o modo de se vestir, até o modo de agir das pessoas, tudo era muito novo, estranho e diferente para Ari que desde tenra idade só conhecia por religião, a Umbanda.

Ari pensou em desistir da igreja, mas foi aconselhado pelo amigo a seguir um tempo mais, pois ainda não havia sido tocado, em seu coração, pela palavra e pelo bem que a igreja poderia promover em sua vida.

Resignado, Ari resolveu ouvir o amigo e seguiu em frente. Sua família não se opôs à sua decisão, deixou-o livre para que buscasse o que fosse melhor para ele e assim Ari foi em frente; abandonou sua religião de berço, encaixotou todo seu material de trabalho e com respeito comunicou à sua família, espiritual e carnal, sobre sua decisão.

O tempo foi passando e a cada culto Ari se sentia mais a vontade na igreja, seu amigo o encorajava sempre e na medida do possível, esclarecia as duvidas de Ari que surgiam, várias, a cada dia de culto.

Ari sabia que sua "antiga" religião não era bem vista no meio evangélico, por isso, evitava comentar quando algumas pessoas que conheceu durante seu pouco tempo de igreja, o questionavam sobre o assunto. As pessoas, curiosas, perguntavam sobre seus familiares e sobre qual igreja ele frequentava antes, ele, porém, sempre se esquivava das respostas mudando de assunto ou pedindo licença para se retirar. Esse tipo de situação começou a incomodar, mas ele foi em frente, afinal precisava preencher o vazio que sentia em seu coração.

Num belo dia, Ari se vestiu, adequadamente, para assistir a mais um culto na igreja. Sempre acompanhado pelo amigo que o apresentou à nova fé, ele, naquele dia, especificamente, sentiu a necessidade de usar, por dentro de sua roupa, um velho patuá que lhe fora oferecido, para sua proteção, por um Preto Velho. Ele estranhou essa sua intuição, porém, a Umbanda o ensinou a sempre seguir seu coração e sua intuição e assim ele fez, foi para a igreja com seu amigo e com seu velho patuá bem escondidinho.

Tudo corria bem, nada havia de anormal naquele culto, mas quando o Pastor começou a pregação, Ari pode ver, pela faculdade da vidência, que ao lado do pregador estava um Preto Velho que sussurrava em seu ouvido, as palavras que, a seguir, ele dizia.

Ari esfregou os olhos, apurou a visão, fez uma prece, silenciosa, dentro de sua fé "antiga" e com mais atenção observava o fenômeno que acontecia diante de seus olhos surpresos, comovidos, até incrédulos.

Buscou tocar o patuá que estava por dentro de sua roupa e pensou que o Preto Velho estava ali por conta disso, passou a se culpar por traze-lo até àquela comunidade, que não era sua, afinal, igreja não é lugar de Preto Velho, pensava ele, nervoso, atônito.

O Pastor falava com sabedoria as palavras que o Preto Velho lhe soprava, todos ouviam com muita atenção, alguns estavam visivelmente emocionados, inclusive ele que passou a prestar mais atenção naquelas palavras tão sábias e importantes.

Seu amigo percebeu que Ari estava diferente porque seus olhos brilhavam, e fixos, mal piscavam ouvindo o "Pastor" e o coração daquele amigo se alegrou pensando que finalmente Ari se converteria, se renderia à sua religião.

No final do culto, Ari se despediu do amigo rapidamente, seu desejo era o de ir logo para casa, contar à sua família o ocorrido no culto, mas o amigo insistiu em conversar, queria saber se Ari, finalmente, pediria sua adesão, se ele se converteria porque hoje ele, Ari, fora visivelmente tocado pela palavra. Saltava aos olhos de qualquer um sua emoção.

Ari sorriu, abraçou o amigo agradecendo por tudo e dizendo que conversaria com ele em outro momento porque tinha pressa, precisava ir o mais rápido possível para casa.

A alegria, a gratidão, a emoção, tomaram conta de Ari e ele se apressou para chegar em casa. Não entendia como isso era possível, como o Preto Velho, entidade de Umbanda, estava na igreja, qual seria o objetivo? Por que isso aconteceu? Várias perguntas passaram a povoar seus pensamentos, quanto ao patuá, Ari o tocava, com carinho, enquanto se encaminhava para casa.

Ao entrar em casa, assim que abriu a porta, se deparou com sua mãe. Ela sorria como se soubesse de tudo. Ari a abraçou forte, como a tempos não fazia e ela, emocionada, perguntou o que havia acontecido, o por que de tamanha alegria e emoção. Ele contou para a mãe sobre sua visão e sua reação foi muito parecida com a dele; surpresa, emoção. Os outros familiares se juntaram a eles e todos, muito emocionados, chegaram à conclusão que só mesmo o Preto Velho, entidade que se apresentava no terreiro que frequentavam, era quem os podia esclarecer sobre o assunto.

No dia seguinte a família foi ao terreiro, como sempre faziam, exceto Ari, que se distanciara para frequentar a igreja. Todos estavam ansiosos pela conversa com o Preto Velho, entidade que pela visão de Ari, seria do sacerdote da casa e não de um de seus familiares ou mesmo dele, que trabalhou por muito tempo como médium de um deles.

O Sacerdote os recebeu como sempre de braços e coração aberto. Ari pediu para conversar com ele e toda a família foi junta até um cômodo reservado no terreiro. Depois de falar, o Sacerdote que a tudo ouvia com atenção, disse: "Vamos chamar Pai João, veremos o que ele nos diz. Vamos para dentro do terreiro porque algumas lições precisam ser compartilhadas. Servem de aprendizado para todos".

Ari concordou, mas se sentia pouco a vontade com a situação, afinal seria exposto diante da comunidade, mas essa também era uma lição.

Todos se dirigiram para o espaço sagrado da casa, o Sacerdote fez breve preleção para esclarecer que nesse dia, excepcionalmente, Pai João, Preto Velho, viria para falar sobre o caso ocorrido com o agora "ex" filho da casa, Ari. Ele explicou, por alto, o ocorrido e seguiu, pedindo concentração a todos.

Entre cânticos, palmas, toques dos atabaques, Pai João se manifesta em seu médium, o Sacerdote. Cumprimenta todos os presentes e pede a Ari que chegue mais perto; Pai João falaria em particular com ele, antes de se dirigir aos demais.

Pai João e Ari conversaram por alguns minutos sob os olhares curiosos, ansiosos por esclarecimentos, de todos os que ali estavam.

Muito emocionado, Ari não continha as lágrimas. Abraçado ao Preto Velho, Ari chorava como quem "lava a alma" até que o Preto Velho pediu silencio e atenção, ao que foi prontamente atendido:

Filhos amados, Deus Pai os abençoe. Hoje estou aqui para dar uma palavrinha com todos vocês, com licença desse filho nosso, o Ari, vou contar o que se passou com ele: Ari quis buscar fora, o que já existia dentro, do seu coração e da nossa religião. Ele e todos tem esse direito, a liberdade de viver e experimentar outras paragens, não tanto para comparar, mas para viver, sentir na pele qual é seu real propósito de vida e fé. Acredito que todos aqui sabem que nosso Ari esteve frequentando uma igreja evangélica, não há mal algum nisso porque é só mais um caminho para seguir a Deus, que é o mesmo em todas as religiões, apenas a maneira de se dirigir a Ele é diferente da nossa. Cada um é livre para escolher seu caminho e o coração é quem nos diz onde devemos ficar e nos dedicar ao sagrado, isso fica a critério de cada um e todos devem respeitar a escolha do outro. Para nós, que estamos vivendo em outra dimensão e realidade, no plano espiritual, a forma já não mais existe, o que predomina é o amor, a essência das religiões que é a fé, a entrega sincera para servir a Deus, portanto, circulamos entre todas as religiões irmanados na fé, na esperança de sermos úteis para a obra de Deus em todos os cantos do mundo, que é enorme. Ari me viu, pela faculdade da vidência, que é muito comum entre médiuns, sussurrando palavras no ouvido de um pastor evangélico; como já disse a ele, digo agora, a todos, que sim, era eu mesmo, Pai João na Umbanda e mentor daquele filho que escolheu ser pastor. Um mentor ou guia espiritual, jamais abandona um filho por suas escolhas religiosas, nem mesmo quando ignoram a fé, são abandonados. Sempre há alguém, do lado de cá, cuidando, zelando por cada filho de Deus encarnado na Terra, mesmo os que dizem em nada crerem, mesmo esses, tem seus guias, mentores, protetores a guiar seus passos. Minha mensagem é a mesma aqui e lá porque o bem, a boa palavra, independe de religião, mas depende sim do amor e da fé que desconhecem fronteiras, do conhecimento da palavra de Deus que guia a todos, do tempo que dedicamos ao sagrado em cada encarnação e fé que já professamos em outros tempos. É um conjunto de vivências e saberes acumulados em muitas encarnações que nos possibilitam circular livremente a fim de ajudar onde quer que seja, onde estejam nossos tutelados, lá estaremos, fazendo a parte que nos cabe no processo de evolução dos mesmos e assim nos aprimoramos e evoluímos juntos porque o Pai nos criou para alcançarmos a Luz em sua plenitude. O processo é longo e cada um tem o seu. Dito isto, estou a disposição para quem quiser saber mais a respeito. Sempre estarei aqui, de coração aberto para ouvi-los e esclarecer suas dúvidas, busquem e a porta se abrirá sempre de dentro para fora porque nada pode tocar um coração vindo de fora que já não esteja, latente, dentro do coração. Seja muito bem-vindo de volta, amado filho Ari! Deus os abençoe e ilumine seus passos pela luz divina e sagrada dos Orixás.

Desse dia em diante, Ari seguiu feliz seu caminho na Umbanda. Ele entendeu que a fé é muito maior que as religiões e práticas espirituais.


Anna Pon


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